A revolução dos blogs
A blogosfera mudou tudo. No Brasil, já são quase 10 milhões de pessoas que acessam blogs e se deixam influenciar por eles. Até 2010, espera-se que esse número possa duplicar. O fenômeno começa a afetar todos os ramos da cultura: a política, as artes, a cultura e a educação. No ano passado, eu publiquei um artigo numa revista sobre o tema. Reproduzo o mesmo abaixo:
Manifesto bloguista
Por Miguel do Rosário
Para se compreender o que é a blogosfera, é necessário desarmar o espírito. Trata-se de algo muito novo, muito grande e que cresce muito rápido. Vamos às definições. Blogosfera é o conjunto de blogs, que, por sua vez, são páginas na internet, ou websites, com duas diferenças fundamentais: são pré-fabricadas e não custam nada. Enquanto os websites convencionais exigem que você compre um domínio (www.migueldorosario.com.br, por exemplo), pague uma empresa para hospedá-lo e tenha noções de programação visual para confeccioná-lo e atualizá-lo (ou pague alguém para fazê-lo), os blogs não pedem nada disso. Ter um blog é fácil e grátis. Atualizar um blog é tão simples como escrever um email. Nem todo usuário de internet, porém, visita blogs. Grande parte a usa apenas para receber & enviar emails, ler notícias nos grandes portais corporativos, ou participar de sites de relacionamento.
Segundo a Technorati, empresa que é, ou tentou ser, uma espécie de “Google” dos blogs, o número deles em 1999 era estimado em menos de cinquenta. Ao final de 2000, eram poucos milhares. Três anos depois, o número saltou para 4 milhões. Em março de 2007, já existiam 70 milhões de blogs, sendo 120 mil criados diariamente. O último dado disponibilizado pela Technorati informa que, em fevereiro de 2008, a empresa rastreava mais de 113 milhões de blogs, sem incluir os 73 milhões de blogs chineses.
Olhando apenas o Brasil, uma pesquisa divulgada ao final de março deste ano informava que 9,6 milhões de pessoas acessaram blogs em fevereiro de 2008, um crescimento de 37% sobre o ano anterior. O número de internautas brasileiros residenciais (usuários ou não de blogs), segundo a mesma fonte, atingiu 22 milhões, 57% a mais do que em fevereiro de 2007. Pessoas com acesso à internet a partir de qualquer tipo de ambiente - residência, trabalho, escola, cybercafé, bibliotecas, telecentros – somaram 40 milhões. O dado mais impressionante, porém, é que o internauta brasileiro ficou em primeiro lugar no ranking de tempo médio mensal, com 22 horas e 24 minutos. Ou seja, o nosso internauta passa quase um dia inteiro por mês conectado à rede, bem à frente de seus colegas norte-americanos (19h52), franceses (19h40), japoneses (18h29) e ingleses (17h46). Em números absolutos, o Brasil ganhou, no ano passado, sete novos milhões de usuários residenciais, enquanto EUA ganharam 4,8 milhões, França, 4,5 milhões, Japão, 5,5 milhões e Espanha, 3 milhões. Se este ritmo seguir apenas estático, ou seja, se o Brasil prosseguir ganhando 7 milhões de internautas residenciais por ano, em 2010 serão mais 21 milhões, perfazendo um total de 43 milhões de usuários residenciais. Não esqueça que falamos apenas de residenciais: se considerarmos os usuários de qualquer plataforma, esse número poderá dobrar.
O Tribunal Superior Eleitoral informa que, em abril de 2008, o Brasil possuía 128,54 milhões de eleitores. Por grau de instrução, temos o seguinte quadro: 8 milhões de analfabetos, 20 milhões com primeiro grau incompleto, 10 milhões com primeiro grau completo, 22,96 milhões com segundo grau incompleto, 15 milhões com segundo grau completo, 3 milhões com superior incompleto e 4,48 milhões com superior completo.
Façamos um recorte neste eleitorado e consideremos apenas aqueles com segundo grau completo para cima. Temos aí um total de 23,8 milhões de pessoas. Estes são, a meu ver, os verdadeiros “formadores de opinião” no país e, provavelmente, o número deve corresponder, grosso modo, ao que entendemos como classe média. Repare que falamos de eleitores, não de população.
Bem, se temos 9,6 milhões de pessoas que visitam blogs, e supondo que todas integrem o grupo supra-mencionado, a blogosfera atinge, atualmente, cerca de 40% do eleitorado de classe média. Mesmo que o ritmo de crescimento da blogosfera brasileira esmoreça nos próximos anos, a tendência é de que, em 2010, o conjunto do eleitorado “instruído” seja composto por leitores de blogs. Falo apenas de blogs. Se considerarmos os 22 milhões de internautas residenciais, o uso da rede já atingiu a plenitude da classe média brasileira.
O ritmo eufórico com que a internet cresce no Brasil explica-se por uma pesquisa recente do IBGE, segundo a qual o número de municípios com provedores de internet cresceu 178% de 1999 a 2006, chegando a 44,6%, superando o número de cidades com jornal diário (36,8%), livrarias (30%), centro cultural (25%), museus (22%), estações de rádio fm (34%), estações de rádio am (21%), revista impressa local (7,7%) e shopping centers (7%). O desenvolvimento industrial do Brasil resultou num terrível esvaziamento cultural das cidades pequenas e médias, e a internet está sendo usada para compensar o abismo criado entre estas e os grandes centros urbanos. A internet democratizou o conhecimento, na medida em que um internauta em São Paulo tem acesso exatamente aos mesmos conteúdos que seu colega em Palmeira dos Índios.
Spinoza, em seu Tratado Político, dizia que “se duas pessoas concordam entre si e unem as suas forças, terão mais poder conjuntamente e, consequentemente, um direito superior sobre a natureza que cada uma delas não possui sozinha e, quanto mais numerosos forem os homens que tenham posto as suas forças em comum mais direito terão eles todos”. Ora, uma das características marcantes do blog consiste justamente na interação e na formação de grupos de afinidade. Ao expor sua opinião, ideologia, visão de mundo, preferências culturais, o blogueiro rapidamente atrai para seu círculo leitores e outros blogueiros que lhe são afins. Esse componente gregário é muito importante, porque indica uma estratificação da sociedade muito além dos conceitos marxistas de classe, embora estes não possam ser desprezados. Os blogs se tornam núcleos de difusão ideológica bastante vigorosos, autênticos, influentes, e constituirão pontos de apoio fundamentais para as disputas democráticas, políticas e empresariais.
A essência do blog, aliás, é seu fator democrático. A grande maioria dos blogs é aberta à participação dos leitores, através do sistema de comentários. É costume do blogueiro trocar idéias com seus leitores, respondendo publica ou privativamente aos comentários. Essa é, em princípio, uma distinção importante entre um blogueiro e um colunista de jornal. Os dois são formadores de opinião e difusores ideológicos. Enquanto o primeiro, porém, dialoga com seus leitores e permite que estes exponham suas divergências, críticas e elogios num espaço de comentários logo abaixo de cada artigo, ou post, o colunista discursa do alto de um pedestal inacessível aos clamores de seu público.
Cuidemos, porém, de não ver a blogosfera como panacéia. O contato quase promíscuo com o público também traz problemas e a distância do colunista tem suas vantagens em termo de independência de opinião e serenidade espiritual. O mais importante não é isso. A característica mais revolucionária do blog é que todos podem ter um, em constrate com o privilégio cada vez menos transparente para se tornar colunista. Enquanto a mídia convencional é aristocrática e, como tal, previsível e monocórdica, com público leitor em queda, a blogosfera é caótica, plural e com público leitor crescendo 40% ao ano.
É igualmente equivocado ver na internet uma ferramenta vantajosa somente para um espectro ideológico. Alguns analistas americanos afirmam que o uso inteligente da blogosfera foi um fator relevante na fenomenal vitória eleitoral George W.Bush, em 2004, quando o presidente havia perdido parte do apoio que possuía na mídia corporativa. De lá para cá, a blogosfera liberal americana procurou recuperar o tempo perdido e se tornou uma tremenda força política, um dos suportes mais importantes das campanhas dos democratas Hillary Clinton e Barack Obama. A internet ajuda a sociedade a ver a si mesma com mais transparência e precisão. O voto, afinal, não mede a intensidade, os matizes, as sutilezas da opinião política. O meu voto entusiasmado no candidato X vale o mesmo que um voto alienado ou mesmo equivocado de outra pessoa. Nisso se limitava a interação com o agente político. O crescimento da população e as necessidades profissionais tornaram as manifestações de rua, além de complicadas e caras de serem organizadas, menos representativas e influentes em relação ao poder político. Quando o governo Bush sinalizou sua disposição de atacar militarmente o Iraque, o mundo se manifestou como jamais se vira antes. Em Londres, Madrid, Nova York, São Francisco, Toquio, Berlim, em quase todas as grandes cidades, milhões de pessoas saíram às ruas, a maioria pessoas que não costumam participar desse tipo de evento. Os falcões da Casa Branca, porém, consideraram que o apoio recebido de colunistas do New York Times e Washington Post, era suficiente para neutralizar o efeito negativo dessas manifestações. De certa forma, tinham razão. Se a guerra fosse hoje, no entanto, seria mais difícil para o governo americano e os jornalões se manterem firmes diante daquela tsnunami anti-guerra. A blogosfera obrigaria a grande imprensa a embarcar com menos entusiasmo naquela aventura e, consequentemente, o governo teria mais trabalho para empurrar uma guerra bilionária goela abaixo dos contribuintes.
Eric Alternan publicou, a 31 de março deste ano, um extenso ensaio no site da New Yorker sobre o declínio dos jornais. O texto converteu-se instantaneamente num sucesso da web. Eis um trecho do artigo de Alternan (tradução minha):
“Enquanto isso, a confiança do público nos jornais tem caído rapidamente. Um recente estudo publicado pela Universidade Sacred Heart descobriu que menos de 20% dos americanos admitiram que acreditam totalmente ou na maior parte do que informa a mídia, um número que era superior a 27% há somente cinco anos. Somente um em cada cinco acreditam no que lêem na imprensa escrita, concluiu o relatório State of the News Media 2007. (...) Mais americanos acreditam em discos voadores e teorias conspiratórios do 11 de setembro do que na grande imprensa escrita. Mais de 9 em 10 americanos, segundo o estudo da Sacred Heart, afirmaram que a mídia procura, deliberadamente, exercer influência sobre as políticas públicas, embora eles se dividam se esta influência tende para o lado liberal ou conservador”.
No mesmo artigo, Alternan defende uma série de qualidades da imprensa escrita que não estariam presentes na blogosfera, como o investimento, financeiro e intelectual, na apuração dos fatos e no extremo cuidado em não parecer tendencioso. Sobre esse último item, a auto-propalada imparcialidade da mídia, ele admite, todavia, que seria um dos fatores que explicariam a sua perda de credibilidade. E mesmo a apuração dos fatos, tão cara à velha escola, estaria minguando, na esteira da severa crise das empresas jornalísticas.
O público, diz Alternan, simplesmente não acredita na imparcialidade da mídia corporativa. A blogosfera, em que pese suas deficiências, nunca se pretendeu imparcial. Um blogueiro deve ser honesto, ou franco, ou independente. Imparcial, não. Os poucos “imparciais” são jornalistas da grande mídia que usam o blog como complemento para seu trabalho principal.
A maioria dos textos publicados na imprensa escrita sobre o tema, e o de Alternan não é exceção, trazem um tom melancólico e terminam com uma nota de pessimismo. Alternan finaliza o artigo com o alerta, tipicamente ianque, contra os governos autoritários, os quais, sem uma forte imprensa escrita, diz ele, não poderiam ser denunciados. Eu me pergunto, porém: quando foi que a imprensa escrita denunciou governos autoritários? A estrutura pesada e custosa da imprensa escrita a deixa sempre vulnerável aos ditadores. Na América Latina, por exemplo, tem sido o contrário: a imprensa sempre conspirou contra governos democráticos e sempre defendeu os regimes totalitários.
Uma ditadura hoje talvez tenha mais receio de um blogueiro esperto e corajoso do que de um grande jornal ou protesto de rua. O jornal, se for local, pode ser fechado ou censurado facilmente. Se for estrangeiro, a denúncia poderá ser desacreditada como interferência na soberania do país. O protesto de rua será reprimido e seus motivos distorcidos. Já o blogueiro, o que fazer contra ele? Ele pode se manifestar tranquilamente de outro país e terá todo o espaço de que necessita para defender seus pontos-de-vista e lutar contra a manipulação de suas posições. Além disso, ele tem a vantagem do número. É um só. Elimina-se um blogueiro, surgem mil outros.
O protesto de rua, por sua vez, não permite a expressão dos matizes individuais. Um punhado de palavras de ordem não é tão influente quanto um texto cuidadosamente escrito, bem articulado e que tenha suficiente circulação. Do mesma forma que a revolução russa não se iniciou com as desordens operárias de 1905, e sim com a divulgação do manifesto comunista, o regime stalinista dificilmente alcançaria aquele grau de totalitarismo se os russos pudessem denunciar, mesmo que anonimamente, suas barbaridades e injustiças.
A vida de blogueiro, todavia, nem sempre é fácil. Em Cingapura, dois blogueiros de etnia chinesa foram presos como subversivos por publicarem textos anti-muçulmanos. No Egito, o blogueiro Kareem Amer foi acusado por insultar o presidente Hosni Mubarak e uma instituição islâmica. Foi a primeira vez que um blogueiro foi processado no país. Após uma breve sessão, o blogueiro foi considerado culpado e sentenciado a três anos por insultar o Islã e incitar sedição e mais um ano por insultar o presidente da república. Depois de expressar, em seu blog, suas opiniões sobre as forças armadas do Sudão, Jan Pronk, representante da ONU no país, teve sua deportação decretada.
A internet surge, portanto, como a grande ferramenta democrática do século XXI, criando um canal interativo do cidadão com seus representantes e tornando-se uma grande tribuna onde ele pode manifestar apoio ou crítica aos representantes do poder político. Uma prova desse poder ocorreu durante as últimas eleições para o Senado americano, em 2006. Nesta campanha, o senador republicano George Allen foi filmado xingando um assessor democrata - que tinha descendência índia - de “macaco”. O vídeo foi colocado no Youtube, divulgado amplamente pela blogosfera liberal, e visto por dezenas de milhares de pessoas. A atenção gerada na web fez o vídeo chegar às redes de televisão, que também o exibiram, sempre citando o sucesso que o mesmo provocara na blogosfera. Como resultado desse imbróglio, o democrata Jim Webb venceu Allen (que antes era favorito), e o partido democrata conseguiu, por um voto, a maioria no Congresso americano, derrotando severamente o governo Bush.
Voltando ao Brasil, não há como deixar de citar o embate ideológico praticado intestinamente na blogosfera e entre esta e a mídia corporativa. Muitos o vêem com maus olhos, porque, como qualquer guerra, não é conduzida com bom-mocismo. Mas embate não é diálogo. Em nome de um suposto cavalheirismo, que não se sabe quando jamais existiu no Brasil, acusa-se a blogosfera de ser palco de ferozes batalhas partidárias e ideológicas. Ora, justamente o fato delas existirem, e serem intensas, é o melhor indicador de vitalidade democrática. O mais importante, e esse é um ponto do qual os brasileiros devem se orgulhar, é que não há violência física. Os embates são duros, mas restringem-se à disputa verbal. Desses embates, creio eu, resultarão novas energias políticas e, provavelmente, dado o referido poder de influência dos blogs sobre as vastas camadas médias, que já representam maioria da população brasileira, segundo o IBGE, os futuros presidentes da república.
A blogosfera também tem sido importante para a renovação estética no Brasil. Na literatura, tem se revelado a primeira oportunidade para jovens escritores exercitarem-se, superarem dificuldades técnicas e mostrarem seus trabalhos ao público e às editoras. Naturalmente, o livro impresso ainda é insuperável, mas num país com dimensões monstruosas como o Brasil, a internet cai como luva para, economizando frete, fazer circular informações sobre novos autores, daqui e do exterior. Os mesmos argumentos valem para as outras artes. A blogosfera trouxe, ademais, relativa liberdade para os autores em relação às mídias convencionais, pois permite o contato direto com o público. Uma resenha em grande jornal ainda é insubstituível em termos de status, mas não é mais única forma de divulgar um trabalho, e pode ser um suporte excelente para o artista dar informações que permitam uma fruição melhor da obra e, eventualmente, defender-se de uma crítica que ele considere injusta.
O maior impacto da blogosfera no mundo, por fim, é a transformação das pessoas em emissores em potencial. Os meios de comunicação de massa democratizaram a recepção. No Brasil, mais de 95% dos lares têm acesso aos canais abertos de TV. Mas os brasileiros só podiam ouvir. A internet, e particularmente a blogosfera, abre caminho para que, um dia, todos possam tambem falar e, assim, exercer a cidadania e o poder político. Será uma balbúrdia dos infernos, mas estaremos mais próximos de uma democracia verdadeira.
Link externo:
Out of Print, de Eric Alterman
http://www.newyorker.com/reporting/2008/03/31/080331fa_fact_alterman?currentPage=all
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