Metalinguagem da transformação
Crítica Teatral
*Por Geovane Barone
A Cia. São Jorge de Variedades apresentou na sede da Cia. dos Atores no RJ, integrando a programação doFestival Tempo de teatro contemporâneo, que está acontecendo em diversos espaços culturais do Rio de Janeiro , o espetáculo "Quem Não Sabe Mais Quem é O Que é e Onde Está, Precisa se Mexer", baseado na Obra de Heiner Muller.Com direção da premiada diretora e nova expoente do teatro contemporâneo, Georgette Fadel, a peça traz um reflexão da forma de se fazer teatro na atualidade e também sobre o conteúdo de nossos tempos, representado pela informação,tecnologia e consumismo da geração da queda do Muro de Berlim, frustrada com a revolução.
A companhia conta na sinopse da peça que foi a partir dos estudos do dramaturgo Heiner Muller que surgiu o interesse em explorar o teatro de rua e outras formas de se fazer teatro como uma arma contra a domesticação da arte cênica. É justamente essa vontade de modificar, transformar as estruturas cênicas, que conduz a estética do espetáculo: fragmentação de textos e imagens, não-realismo, mistura de linguagens artísticas.
A encenação começa no espaço público, fazendo uma volta pela rua da Lapa, com o público seguindo os passos de Mariana G., que em uma esquina revela sua crise : " Não sou Hamlet, não represento mais nenhum papel. Minhas palavras já não me dizem mais nada. Os meus pensamentos sugam o sangue das imagens. O meu drama não se realiza mais." Pregando pequenos cartazes caseiros, pedindo ajuda aos transeuntes para segurar os pedaços de fita crepe que segurarão os cartazes por algum tempo nas paredes escolhidas:"Sou meu prisioneiro".Pendurado em no poste um dos atores da companhia segura uma faixa que contém frases do espetáculo. Uma dos aforismos expostos é "Aquele que não se mexe, não sente as grades que o aprisionam.", de Rosa Luxemburgo.
Em seguida, o público é conduzido a sede da Cia. dos Atores, onde se depara com uma “gaiola-apartamento” cheia de bugigangas e instrumentos. A direção de arte de Rogério Tarifa faz com que imaginemos um palco cheio de possibilidades, criado com recursos da art pop, da bricolagem. Placas, geladeira com cartazes e fotos de personalidades, cabide de livros, bateria, relógio bacia de alumínio para o samba que virá, jardim, roupas e papéis higiênicos como paredes. A TV colocada em cima da gaiola para o público vê ao vivo nos intervalos dos atos. Cenário dinâmico. A forma que revela o conteúdo.
Os atores muito bem dirigidos por Georgedette Fadel, dão um tom de uma interpretação irônica,brechtiniana, anti-realista. Marcelo Reis, Mariana Senne e Patrícia Gifford parecem falar de si mesmos,parecem dar os seus testemunhos críticos do mundo; se representam personagens parecem apenas contar histórias.Destaque para a interpretação de Mariana Senne que consegui durante o espetáculo oscilar entre personagens pesados e leves, sentimentos dramáticos e cômicos. O gesto, o corpo, a voz, a emoção revelam valores contraditórios de desilusão e esperança, da revolta e resignação. Os objetos viram instrumentos, os instrumentos viram objetos. Os atores parecem propor também um happening. O Público é indagado e recebe livros dos atores.
A direção musical de Luiz Gayotto dá o tom irônico e sutil do espetáculo. Destaque para o teclado colocado no fundo do palco que serve como campainha para entrada de personagens e também as intervenções musicais do trio de atores. O figurino de Foquinha é fragmentado, irônico e despojado seguindo a linha do espetáculo.
A direção de Georgedette Fadel é magistral. Ela coordena os elementos cênicos recortados, contraditórios. Mistura beleza e caos com harmonia entre teatro, artes visuais,dança , audiovisual e música. Imprimi um ritmo de cena ágil e enfático.
Ao final do espetáculo, o público é levado em cortejo pra rua com uma cantoria e acaba num bar juntamente com os atores.
Ao final do espetáculo, o público é levado em cortejo pra rua com uma cantoria e acaba num bar juntamente com os atores.
"Quem Não Sabe Mais Quem é O Que é e Onde Está, Precisa se Mexer", desnuda a maquinaria do teatro, questiona a sua função, questiona os valores vigentes, radicaliza as emoções. É político sem ser panfletário. É artístico sem ser apenas forma. Um bom exemplo do teatro paulista para a cena teatral carioca. O espetáculo é a transformação cênica que fala sobre a transformação e indaga a possibilidade de mudança.Uma ótima referência para um bom teatro livre e contemporâneo.
Espetáculo Quem Nao Sabe Mais Quem é , O Que é e Onde Esta, Precisa se Mexer, Cia. São Jorge de Variedades. from Carla Estefan on Vimeo.
Para saber mais sobre a Cia. São Jorge de Variedades acesse o sitehttp://www.ciasaojorge.com.br/index.html
*Geovane Barone é ator, produtor cultural, Coordenador Geral do CUCA da UNE/RJ e estudante de filosofia.
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