Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará. Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós.
A 6ª Bienal de Arte, Ciência e Cultura da UNE dá início à sua fascinante viagem pelos meandros da formação do povo brasileiro. Vai descobrir o Brasil, desvendar sua formação, desesconder de suas profundezas toda a sua caboclice, sua mameluquice, sua mulatice... Hélio Oiticica descobriu o Brasil. Sacou, depois de se extasiar com a marginália, que a riqueza da cultura do país não estava à margem, estava subterrânea! Era preciso desenterrar o Brasil e não descobrir.
Misturas de formas e cores, de sons, de jeitos, de expressões... Encontramos no Barroco sua primeira audácia: a pérola torta e pitoresca que, aos olhos do belo clássico, não passa de puro mau gosto. Mas a brasileirice, surgindo ali debochada e exagerada, zomba do clássico ao mesmo tempo em que o cultiva, blasfema heresias e pede perdão aos céus. As bocas do inferno lado a lado das portas dos céus inventam um jeito de ser, mistura as dualidades, ridiculariza o racionalismo que compartimenta o mundo.
Os ibéricos, europeus tortos, argonautas do Atlântico que chegaram ao sul do mundo em suas jangadas de pedra. A mãe amorosa que Saramago disse ver atordoada com a sorte de seu filho do além-Pireneus jogado no mar, Europa soberba que, na verdade, olhava o filho ibérico como quem espera o filho pródigo. Mas, tão malandro, esse nunca mais voltou. Não o mesmo. Foi gerar em terras subtropicais algo fora da imaginação da mãe amorosa. Algo mais volúvel e desregrado e suas frouxas instituições. Suas sinhás fogosas transitando pelos bugres, seus senhores desejando as negras, o batuque louvando os santos católicos. Caleidoscópio é metáfora pequena.
Neste turbilhão, as três matrizes originais – a negra, a indígena e a ibérica – vão gerando outras submatrizes, misturas onde não se sabe mais onde começa uma e termina a outra. Mas, longe da homogeneidade almejada pelo projeto totalizante, o que se vê é a interação em disputa como qualquer outra interação. Estabelecida em uma relação entre dominadores e dominados, ainda que não seja uma relação engessada, já que há subversões e em determinados momentos os papéis se invertem, a democracia harmônica é uma ilusão perpetuada por quem deseja esconder a importância dos de baixo.
Nos dias de hoje, desejamos a diversidade. Consideramos-nos iguais porque somos diferentes. A harmonia não é mais sinônimo de pasteurização. Tal qual na harmonia musical, buscamos juntar coisas diferentes e delas extrair um equilíbrio e não uma uniformidade. Como nos vitrais, a cultura brasileira é formada por diversas formas, cores e texturas que, somente em conjunto, fazem sentido.
Aline Portilho, CUCA –RJ, produtora cultural, e colunista do blog.
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